Uma ferramenta fundamental na mediação de conflitos é aumentar as informações, as possibilidades e a visão das pessoas em conflito para flexibilizar a sua interpretação dos acontecimentos que levaram aos sentimentos negativos e ao atrito. A sabedoria vem com o tempo, já defendia o filósofo Hegel.
Eis o tema do artigo atual de Silke Buss na Vida Económica de 29.04.2022.

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Coluna sobre Mediação de Conflitos – n.º 10
Por Silke Buss, Mediadora de Conflitos, Especialista em Comunicação

Prevenção e Mediação de conflitos
Levantar voo com a coruja de Minerva

“A coruja de Minerva levanta voo somente ao anoitecer.” Foi há mais de 200 anos que Georg Friedrich Hegel escreveu esta famosa frase no prefácio dos seus “Princípios da Filosofia de Direito”. Nessa altura, a Minerva já tinha passado de deusa do artesanato para deusa da sabedora e era considerada a versão romana da Atena. O que queria dizer o filósofo alemão com essa metáfora? Que a realidade é reconhecida sempre depois, ou seja, a partir da retrospetiva. A sabedoria vem com o tempo, a distância. Ou como diz o próprio Hegel: “Quando a filosofia pinta o seu cinzento em cinzento, uma figura da vida envelheceu e com o cinzento em cinzento não pode ser rejuvenescida, mas apenas reconhecida; a coruja de Minerva levanta voo somente ao anoitecer.”

Na mediação de conflitos, nós, as mediadoras e os mediadores, estimulamos e afinamos o olhar das pessoas em conflito para o que de facto aconteceu a fim de poderem levantar voo. Voltamos praticamente ao ponto zero do conflito e acompanhamos cada mediando e cada medianda, individualmente e passo a passo, pelos acontecimentos. Com as nossas perguntas, abalamos tudo, provocamos a dúvida e abrimos terreno para reflexão. De repente, surgem novos horizontes. A estrutura e os princípios da mediação dão segurança aos mediandos e às mediandas. Permitem-lhes ultrapassar os bloqueios em relação ao sucedido. Pessoas em conflito costumam perder a capacidade de uma interpretação diferenciada e flexível dos acontecimentos. Com o tempo, a interpretação torna-se cada vez mais “realidade”, ou seja, as interpretações tornam-se factos. Na mediação voltamos ao ponto zero para os mediandos e as mediandas reconquistarem a sua capacidade da interpretação diferenciada. Diferenciada significa: conseguir diferenciar entre factos, opiniões e emoções. Esta separação permite-lhes abrir a mente e descobrir novos aspetos e novas interpretações.

O fascinante da mediação é que primeiro trabalhamos muito nos acontecimentos para depois fechar este capítulo de vez. No ponto de viragem, todo o foco está no futuro. Chegamos a este momento, quando os mediandos e as mediandas tiverem reformulado os seus desejos negativos em positivos – por exemplo, em vez de “não quero perder o meu posto de trabalho” está agora “quero ver o meu posto de trabalho assegurado” no flipchart. E mais: Os mediandos e as mediandas também já criaram uma escala de valores de preferência dos seus desejos. Chegou o ponto de viragem: Chegou o momento certo para levantar voo, todas as pessoas em conjunto para um futuro em paz. Já estamos na quarta e penúltima fase da mediação. Com o apoio e as inspirações da mediadora ou do mediador, os mediandos e as mediandas, já livres da carga emocional, vão conseguir encontrar a solução para o seu conflito e definir, de forma detalhada, como querem conviver e agir no futuro.

Muitos conflitos são evitáveis. Se tivéssemos, no ponto zero, a coruja do Hegel ao nosso lado e com ela a clareza da retrospetiva, muitos conflitos não se desenvolviam. Infelizmente a perspicácia por vezes vem tarde. A boa notícia no fim: Identificar os pontos zero e reagir de forma consciente, treina-se.