Despertar e estimular a consciência democrática é fundamental na educação. É uma vantagem enorme para as crianças, já que constitui a base para conseguirem lidar com conflitos. Este é o tema do 36.º artigo da coluna “Prevenção e Mediação de conflitos” de Silke Buss. Saiu na Vida Económica de 28 de junho de 2024.

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Prevenção e Mediação de conflitos
Crianças com consciência democrática estão preparadas para conflitos

Graças ao meu pai e à minha mãe, conheço os meus direitos e deveres desde muito cedo. Estou preparada para os defender e honrar. Logo na escola primária aprendi que há pessoas adultas que têm comportamentos invasivos não toleráveis. Havia o padre que tentava intimidar-me, continuadamente na aula de segunda-feira, para que fosse à missa no domingo em vez de jogar ténis. Havia a professora do primeiro ano que tentava obrigar-me a aprender a tricotar e bordar em vez de desenhar e pintar. Que privilégio crescer numa democracia e num estado de direito! A consciencialização das crianças e as suas experiências democráticas no dia-a-dia em família, na escola e no lazer são a melhor forma de fazer uma sociedade evoluir, de alcançar o respeito por outras preferências e outros pontos de vista, de encontrar compromissos e de resolver conflitos atempadamente. Naturalmente, há decisões que os pais e as mães têm de tomar de forma autoritária para o bem do filho ou da filha.

A República Federal da Alemanha já existia há 19 anos, quando nasci em 1968 em Gronau, uma pequena cidade do tamanho de Torres Vedras, onde vivo desde 1997. Com pai católico e mãe protestante – um assim designado “casamento misto” que era raro e criticado – fui batizada católica e tive de frequentar uma primária católica durante quatro anos, já que as crianças eram distribuídas pelos estabelecimentos de ensino básico de acordo com a confissão. Mais: Como na Alemanha não havia (e ainda não há) a estrita separação do Estado e da Igreja – um bem que nos trouxe o 25 de abril em Portugal – quem dava as aulas de religião, era o próprio padre. E este perguntava-me todas as segundas-feiras, desde os meus seis anos até aos nove, qual o tema do sermão da missa de domingo. Era sempre a mesma cena: Consciente do meu direito e o da minha família de decidir onde queríamos passar as manhãs de domingo, respondia-lhe com toda a calma que não sabia qual o tema porque estava no ténis. Logo a seguir, chamava-me à sua mesa, juntamente com outra criança, e criticava-nos em frente à turma.

A mesma consciência democrática levou-me a não aceitar a seguinte divisão no primeiro ano: Os meninos iam aprender a desenhar e pintar e as meninas a bordar e tricotar. Que falta de igualdade! Por eu não aceitar esta injustiça, a professora chamou o reitor que ouviu os meus argumentos e levou-me à sala dos rapazes.

Ainda hoje, há professores e professoras que não respeitam uma opinião diferente de um aluno ou de uma aluna, que recorrem a métodos de ditadura, que intimidam ou se vingam. E ainda há alunas e alunos que não conhecem os seus direitos e que aceitam humilhações por temear consequências negativas. No ano em que a democracia faz 50 anos em Portugal e 75 na Alemanha continua a haver muito potencial de melhoria.