A história certa no momento certo põe a mente em movimento. Na mediação entre dois colegas foi decisiva para preparar o terreno para a solução.
O artigo de Silke Buss saiu na Vida Económica de 28 de outubro de 2022. É o 16.º da sua coluna sobre mediação de conflitos na Vida Económica.
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Coluna sobre Mediação de Conflitos – n.º 16
Por Silke Buss, Mediadora de Conflitos, Especialista em Comunicação
Prevenção e Mediação de conflitos
Como uma rivalidade infantil fez dois colegas ultrapassar um conflito
Quando tinha três anos e meio aconteceram duas coisas extraordinárias. Em Gronau, no noroeste da Alemanha, fui aceite num jardim de infância protestante apesar de ainda não ter completado os quatro anos e, ainda mais extraordinário, apesar de ter sido batizada católica. O meu pai deve ter tido argumentos bem mais fortes do que o facto de a minha mãe ser protestante. Enfim, lembro-me do primeiro dia quando conheci, de mãos dadas com a minha mãe, a sala, o grande jardim com árvores e um enorme espaço de areia. Logo vi um rapaz seguro com um grupo de quatro ou cinco rapazes, observei-o e defini como objetivo entrar no grupo. O rapaz chamava-se Andreas e encarou-me primeiro como intrusa e, pouco depois, como rival. Fez tudo para me chatear e eu, claro, fiz o mesmo. Passado algum tempo, compreendemos que juntos seríamos mais fortes. Ficámos grandes amigos e, como co-chefes do grupo, éramos nós quem decidia quais os jogos a que se brincava, quem ficava em que equipa, etc.
Esta história da minha infância conseguiu provocar um ponto de viragem numa mediação entre dois colegas. Os dois tinham uma constelação, à partida, delicada: eram os únicos dois colegas de um departamento e um deles era o diretor deste departamento. O conflito deles já contava anos e foi-se agravando até ao ponto em que o superior dos dois estava farto de perder negócios e convidou-os a realizar uma mediação de conflitos. Fui à reunião e apresentei o método com as cinco fases e os princípios da mediação, entre as quais a voluntariedade e a confidencialidade – ou seja, cada mediando poderia terminar a sua participação na mediação a qualquer momento e os assuntos falados na mediação seriam tão confidenciais que nem o superior teria direito a conhecê-los, só teria conhecimento do acordo final.
Ultrapassada a resistência inicial de um dos dois colegas – aliás, um clássico (“Por mim, podemos então experimentar, a situação já não pode ficar pior.”) –, iniciámos a mediação. Na primeira fase, expliquei mais uma vez o procedimento e os princípios, esclareci algumas dúvidas e apresentei o protocolo de mediação que, a seguir assinámos, os colegas e eu, a mediadora. Na segunda fase, cada colega, um a seguir ao outro, descreveu a situação que originou o conflito e contou como foi o seu desenvolvimento. Resumi os dois pontos de vista e, como já tinha passado hora e meia, terminámos a sessão. A próxima iniciámos de novo com um resumo antes de entrar na terceira fase onde acontece o verdadeiro trabalho para ultrapassar o conflito. As perguntas da mediadora nesta fase conduzem os mediandos ao essencial da relação, com foco nas suas verdadeiras necessidades. O desafio da mediadora é trabalhar esta fase até ao momento de viragem, até ao momento em que, pelo menos, um dos mediandos faz uma descoberta. Este ponto de viragem é a base da solução que os próprios mediandos a seguir vão encontrar na quarta fase para a seguir, na quinta, formular e assinar o acordo.
Às vezes, não é nada fácil provocar este ponto de viragem. No caso dos dois colegas tive de acabar a sessão da terceira fase sem resultado, ou seja, sem nenhum dos dois se ter mexido. Por vezes, o tempo ajuda. A caminho da retoma e à procura de como provocar o ponto de viragem, refleti sobre o comportamento dos dois e lembrei-me da minha história com o Andreas. Foi impressionante como a rivalidade de duas crianças conseguiu inspirar os colegas em conflito e abrir caminho para um novo dia a dia de trabalho em equipa.