Quem pergunta, conduz. Quem pergunta, cria ligação, pode transmitir interesse, respeito, reconhecimento. Em 2024, vamos festejar 50 anos de democracia em Portugal. Falta meio ano até a terceira geração nascer em liberdade e, mesmo assim, continua a haver fortes preocupações e pouco hábito de fazer perguntas na nossa sociedade, nas empresas, nas escolas e nas famílias. Eis o tema do 29.º artigo da coluna mensal “Prevenção e Mediação de Conflitos” de Silke Buss. Foi publicado na Vida Económica de 24 de novembro de 2023.

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Prevenção e Mediação de conflitos
A força da pergunta e a herança da ditadura

A resposta negativa da AVU doeu muito. Tanto mais porque tinha conseguido entrar na fase final com a realização e apresentação de uma obra de arte em 24 horas. No fundo, a jovem recém-licenciada não podia imaginar não ser uma das cinco pessoas selecionadas para o curso de mestrado na Academia de Belas Artes de Praga. Sonho desfeito, desilusão total! «E agora?», perguntei com carinho à minha filha por telefone. «Agora vou arranjar um trabalho e participar em alguns projetos e, para o ano, vou-me candidatar de novo», respondeu a Adriana em tom abatido. Horas depois, voltou a ligar, já bastante recomposta, para partilhar uma ideia comigo e ouvir a minha opinião. Queria responder à AVU, agradecer o email, informar que se iria recandidatar no próximo ano e solicitar, por isso, informações mais detalhadas sobre a decisão negativa para que ela pudesse trabalhar na sua evolução. Dei-lhe os parabéns: Que excelente ideia, que atitude positiva! Fiquei muito contente com essa iniciativa pouco comum: simplesmente perguntar, sem medo de causar atrito ou de sofrer eventuais desvantagens no futuro.

A resposta da AVU veio três semanas depois, por telefone. Convidaram a Adriana a contestar a decisão, já que um outro candidato selecionado tinha desistido. Hoje, ela está no primeiro semestre do curso Art and Context, cheia de orgulho e entusiasmo.

Por que motivo conto esta história? A fim de inspirar e encorajar os leitores e as leitoras para uma comunicação proativa com uma atitude positiva e com a pergunta, esta fortíssima ferramenta de comunicação, sempre debaixo da língua. Quando, em privado ou nos coachings em comunicação, incentivo as pessoas a fazer mais perguntas, a questionar mais para recolher informação, esclarecer ou confirmar, continuo a ficar espantada com a quantidade e a qualidade das reações de defesa. Uma pergunta pode parecer intrusiva, impertinente, causar atrito, provocar um conflito… um tsunami de argumentos contra. Assim, estou sempre em missão para ajudar as pessoas a ultrapassar as suas crenças relativas a esta ferramenta de comunicação.

Quem pergunta, conduz. Quem pergunta, cria ligação, pode transmitir interesse, respeito, reconhecimento. A pergunta pode ajudar a relativizar através do aumento ou da redução do foco. É verdade, uma pergunta também pode ter um efeito negativo, pode ofender, expor alguém ou criticar. A diferença está na intenção. Uma intenção positiva conseguimos transmitir através da linguagem corporal e da linguagem para-verbal, que é a qualidade do discurso, ou seja, o volume, a articulação, o ritmo, a melodia e a eventual inclusão de pausas.

A pergunta é um instrumento democrático fundamental. Em sistemas políticos totalitários, a sua aplicação é arriscada e no catolicismo é, tradicionalmente, pouco desejada. Em 2024, vamos festejar 50 anos de democracia em Portugal. Falta meio ano até a terceira geração nascer em liberdade e, mesmo assim, continua a haver fortes preocupações e pouco hábito de fazer perguntas na nossa sociedade, nas empresas, nas escolas e nas famílias. Inúmeros exemplos estão a inundar a minha mente: O projeto que levou a empresa à falência porque ninguém questionou o rumo definido pelo chefe; o aluno que queria saber da professora quais os critérios de aplicação do castigo e, em vez de esclarecido, foi expulso; o pai que responde pela filha, etc. – seria fácil encher este jornal com exemplos.

A quem ainda não tem a pergunta na sua caixa de ferramentas, recomendo que a junte e que a tenha sempre ao alcance. Utilizada com frequência contribui substancialmente para um dia-a-dia (ainda) mais positivo, mais inspirador e menos conflituoso. Experimente!