Gosta desta máxima ou prefere esta: Não pagar igual com igual? Qual a origem dos provérbios contraditórios e o que dizem sobre a capacidade de prevenir e resolver conflitos? Eis o tema do atual artigo de Silke Buss na sua coluna “Prevenção e Mediação de conflitos”. Foi publicado na Vida Económica de 28 de abril de 2023. 

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Prevenção e Mediação de conflitos
Olho por olho, dente por dente

Há dois provérbios sobre vingança que me fascinam porque dividem as pessoas em dois grupos opostos. As duas sabedorias de vida aconselham exatamente o contrário. Por isso, quando citadas, direta ou indiretamente, revelam muito sobre a cultura e o nível civilizatório da pessoa. São também um indício sobre a sua capacidade de prevenir e de resolver conflitos. No âmbito de uma mediação por exemplo, apontam para um caminho empedrado ou liso que, como mediadora, tenho pela frente. A que grupo pertence? Quer fazer o teste? Então veja com que provérbio se identifica e que costuma aplicar:

Opção A: Olho por olho, dente por dente.
Opção B: Não pagar igual com igual.

A opção A conhecemos do Antigo Testamento (2.º livro de Moisés, 21.24), ou seja, tem origem em tempos sangrentos quando se resolviam conflitos sobretudo fisicamente e, na grande maioria, com as próprias mãos. Nesta cena do Êxodo, Deus ensina a Moisés uma série de leis para transmitir ao povo. Em relação ao castigo, foi bem claro: “Vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida”. Numa sociedade pouco instruída, este apelo à retribuição era bem compreensível e tinha, de certeza, um forte e desejado efeito dissuasor.

Um bom milénio e meio mais tarde, Jesus arruma com esta opção e recomenda no Sermão da Montanha uma alternativa pacífica: não pagar igual com igual. Ainda aconselha, se alguém lhe bater na face direita, oferecer-lhe a outra também (o que já não me parece boa ideia; seria algo autodestrutivo e assim, igualmente, pouco evoluído).

Cresci com a segunda opção e conheci a primeira muito mais tarde, diria décadas depois. Ouvi o provérbio desde muito cedo, interiorizei-o como princípio orientador e considero-o hoje uma receita de sucesso para a comunicação e o relacionamento positivos. Tenho uma irmã 3 anos mais nova, éramos duas crianças bem selvagens e tínhamos inúmeras disputas de mãos e palavras. A minha mãe dizia-me regularmente: “Não pagues igual com igual.” Por vezes, juntava ainda outro provérbio, que me irritava em criança porque não o compreendia: “A mais sensata cede.” Só em jovem finalmente percebi a grande visão desta frase que hoje, às vezes, gostaria de dizer às pessoas em conflito. Não é um convite para desistir, mas para dar o primeiro passo. É um apelo para relativizar e fazer perspetiva. Não são as pessoas rígidas que têm mais sucesso, mas sim as pessoas mais flexíveis.

Porque conto tudo isto? Por duas razões. Primeiro, porque há pouco tive um participante numa formação de grupo a defender que a melhor forma de mostrar a outra pessoa que não gostávamos de algo, era fazer-lhe igual. Se todas as pessoas fossem iguais e tivessem as mesmas necessidades, ele teria razão. Estou convencida de que aquele participante não tinha refletido antes sobre o sentido do seu método e penso que muitos conflitos resultam precisamente disto: de hábitos e padrões não refletidos.

A segunda razão é esta: Há décadas tenho uma boa relação com a minha irmã, mas na semana passada tivemos uma discussão. Achei-a mal-educada, invasiva e chata. Enfim, a mais sensata cede: daqui a pouco já lhe ligo.